Boletim Informativo Nº 54
Download
Dr. João Marcos de Oliveira Júnior
Dentre os inúmeros progressos obtidos ao longo dos anos na história da Medicina, a introdução e utilização dos dispositivos intracoronários representaram um importante avanço da Cardiologia Intervencionista. A origem do termo stent foi atribuída, segundo alguns autores, à derivação do verbo ´´stint``, em inglês - cuja tradução seria conter. Outros já atribuem como uma homenagem ao criador do molde odontológico que mais tarde se tornaria base para criação de outros dispositivos, o dentista inglês Charles Thomas Stent (1807-1885). A utilização de dispositivos capazes de manter a permeabilidade vascular por via percutânea é datada em 1964, por Charles T Dotter.
À esquerda Charles T Dotter. À direita Andreas Gruentzig
Heroes of Progress, Pt. 39: Dotter and Gruentzig -By Alexander C. R. Hammond
Em 1977, Andreas Gruetzing descreveu a primeira angioplastia coronariana via percutânea bem sucedida, realizada por cateter balão, dispositivo esse criado anos antes, revolucionando e ofertando a possibilidade de uma nova terapêutica cardiológica intervencionista. Apesar do grande avanço, observou-se que em muitos casos evidenciava-se o recolhimento elástico e oclusão aguda do vaso. O mecanismo atribuído a reestenose após introdução do balão se dava principalmente por remodelamento negativo e pela própria vasoconstrição da adventícia do vaso envolvido. Visto tal necessidade, sedimentou-se a ideia de um dispositivo intracoronário que fosse capaz de prevenir a oclusão abrupta do vaso. O primeiro stent intracoronário foi implantado pelo professor Jacques Puel em 1986, na França. Já em 1987 foi realizado no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, o primeiro implante de stent Palmaz-Schatz coronário expansível com balão em seres humanos.
A superioridade da angioplastia realizada com stent em comparação ao uso do balão se tornou evidente com a publicação de alguns estudos relevantes junto a Cardiologia, ambos publicados em 1994: o estudo europeu BENESTENT I, demonstrou que a reestenose angiográfica foi reduzida no grupo dos stents (22%) em seis meses em comparação ao grupo de angioplastia com balão (32%;p=0,02). O estudo norte - americano STRESS demonstrou redução da reestenose no grupo stent (31%) em detrimento a angioplastia com balão (42%) com p=0,04. A partir deste último a FDA autorizou o implante de stent( Palmaz- Schatz) visando diminuir as taxas de reestenose advindas após a angioplastia.
Arq. Bras. Cardiol. 80 (suppl 1) • 2003 • https://doi.org/10.1590/S0066-782X2003000700001
Diretriz de Indicações e Utilizações das Intervenções Percutâneas e Stent Intracoronariano na Prática Clínica
Durante a evolução dos stents foram atribuídas algumas características ideais em sua conformação para um resultado angiográfico satisfatório: fácil expansão, flexibilidade, baixo perfil, radiopacidade, resistência à formação de trombos, biocompatibilidade, baixo grau de retração e encurtamento, força radial e custo-eficácia. É notório a importância dos primeiros stents inventados, os quais foram responsáveis por redução em até 30% o risco de oclusão do vaso. Entretanto por se tratar de uma estrutura de metal, o stress mecânico causado pelas hastes do stent resultou em um alto número de trombose de stents. O trial STARS publicado em 1997 foi responsável pela comparação de esquemas de antiagregação plaquetária visando minimizar o risco de trombose de stent ( AAS + ticlopidina X AAS isoladamente), demonstrando em múltiplos desfechos que a dupla antiagregação plaquetária diminuía de forma mais assídua tal risco. A ticlopidina deixou de ser utilizada devido aos seus efeitos colaterais hematológicos, sendo substituída pelo Clopidogrel.
A ERA DOS STENTS FARMACOLÓGICOS
Mesmo após a introdução e sedimentação da terapêutica farmacológica com DAPT associada a angioplastia, inúmeros estudos demonstraram uma outra afecção: reestenose intrastent, onde se evidenciava um oclusão maior que 50%, cujo principal mecanismo envolvido seria o espessamento intimal por migração de células musculares lisas. Visando a minimização de tal desfecho foram criados os stents farmacológicos que reduziram em cerca de 70% a reestenose. A ideia central destes novos dispositivos seria a associação de medicamentos com ação antiproliferativa à base metálica já estabelecida e um polímero carreador, de forma a cessar à hiperplasia intimal. Surgiram dessa forma os stents de primeira geração: a partir do estudo SIRIUS publicado em 2003, os stents Cypher (com eluição de Sirolimus – substância produzida pelo Streptomyceshygroscopicus, com propriedades antibióticas e ação imunossupressora a antimitótica significativa) e posteriormente o stent Taxus (com eluição de Paclitaxel) evidenciaram melhores resultados em relação às taxas de reestenose quando comparados aos stents convencionais.
Tais stents, ditos como de primeira geração, apresentaram, entretanto, um aumento significativo de trombose tardia e muito tardia, explicado posteriormente pela presença de metacrilato junto à plataforma dos polímeros. Dessa forma houve a necessidade de nova tecnologia a ser empregada nesses dispositivos, surgindo assim os stents de segunda geração, nos quais se observaram uma minimização da resposta inflamatória por utilizar, dentre outros fatores, polímeros mais biocompatíveis, hastes mais finas, desenho geométrico mais favorável e drogas que promoviam um aceleração da epitelização junto ao endotélio do vaso.
SCAAR 2012: Grande registro em que se observou uma grande vantagem dos stents farmacológicos em relação aos convencionais em relação ao risco de reestenose e trombose de stent e essa redução era ainda mais significativa nos stents de segunda geração
– (risco pouco menor do Resolute Onyx)
- Estudo BIO-RESORT que comparou stents hastes finas, ultra-finas e microfinas em um seguimento de três anos não evidenciando diferença estatística apesar de pequena diferença numérica entre estes stents no que diz respeito a resultados clínicos em falência de vaso alvo, mortalidade, infarto e revascularização do vaso alvo.
- Estudo ONYX ONE (Zotarolimus-haste 81um, cilíndrica) x Biofreedom( Biolimus-haste 112 um) utilizou DAPT por 30 dias e que não evidenciou alteração quanto aos desfechos clínicos, mas que notou uma tendência em relação a um maior risco de infarto do miocárdio no segmento pelo stent Biofreedom
- Estudo SORTOUT IV: Biofreedom (sem polímero) X Orsiro(ultra fina): publicado em 2021 de não inferioridade em que houve uma ratificação da inferioridade do Biofreedom em relação ao Orsiro quanto ao MACE capitaneada pela maior ocorrência de reestenose no segmento de 12 meses (interrogou a influência da haste mais espessa)
- Estudo TIDES- ACS: Novos stents Bare – Metal: estrutura fina, similar ao Sinergy, compostos por titânio e óxido nítrico, além do cromo cobalto o que confere menor trombogenecidade, em que se comparou os stents Tino x Sinergy. Em SCA demonstrou no desfecho primário em 12 meses (MACE, morte, IAM, revacularização) equalização entre os dois stents. Quando se retira nova revascularização e se coloca o risco de sangramento maior há uma superioridade desses novos stents.
Abaixo quadro comparativo entre stents de primeira, segunda geração, com polímeros duráveis, biodegradáveis e sem polímeros:
Referências Bibliográficas:
- Sakamoto, A.; Jinnouchi, H.; Torii, S.; Virmani, R.; Finn, A.V. Understanding the Impact of Stent and Scaffold Material and Strut Design on Coronary Artery Thrombosis from the Basic and Clinical Points of View. Bioengineering 2018, 5, 71.
- TRIAL STARS. Circulation 1997;95:762. Preliminary results. Circulation 1997;96(Suppl I):I-594. Late clinical results
- Sigwart U, Puel J, Mircovitcht V, et al. Intravascular stents to prevent o0cclusion and restenosis after trasnluminal angioplasty. N Eng J med 1987; 316:701-9.
- Grüntzig AR, Senning A, Siegenthaler WE. Nonoperative dilatation of coronary-artery stenosis: percutaneous transluminal coronary angioplasty. N Engl J Med 1979;301:61-8.
- Keane D, Azar AJ, de Jaegere P, et al. Clinical and angiographic outcome of elective stent implantation in small coronary vessels: an analysis of the BENESTENT trial. Semin Interv Cardiol 1996;1:255-62.
- Arq. Bras. Cardiol. 80 (suppl 1) • 2003 • https://doi.org/10.1590/S0066-782X2003000700001- Diretriz de Indicações e Utilizações das Intervenções Percutâneas e Stent Intracoronariano na Prática Clínica
- A Randomized Trial of a Sirolimus-Eluting Stent Versus a Standard Stent in Patients at High Risk for Coronary Restenosis: Circulation. 2004; 109:634–640
- Ultrathin Bioresorbable Polymer Sirolimus-Eluting Stents versus Thin Durable Polymer Everolimus-Eluting Stents for Coronary Revascularization: Three-year Outcomes from the Randomized BIOFLOW V Trial.David E. Kandzari et al. JACC: Cardiovascular Interventions 2020, article in press.
- BIONYX: An International, Single-Blind, Randomized Non-Inferiority Trial. Lancet 2018; Sep 22
- Safety and efficacy of everolimus-versus sirolimus-eluting stents: 5-Year results from SORT OUT IV: Jensen LO et al. J Am Coll Cardiol. 2016; 67:751-762.
- Polymer-based or Polymer-free Stents in Patients at High Bleeding Risk. Windecker S et al. N Engl J Med. 2020
- Titanium-Nitride-Oxide-Coated Versus Everolimus-Eluting Stents in Acute Coronary Syndrome: The Randomized TIDES-ACS Trial.
Tonino PAL, Pijls NHJ, Collet C, Nammas W, Van der Heyden J, Romppanen H, Kervinen K, Airaksinen JKE, Sia J, Lalmand J, Frambach P, Penaranda AS, De Bruyne B, Karjalainen PP; TIDES-ACS Study Group.JACC Cardiovasc Interv. 2020 Jul 27;13(14):1697-1705. doi: 10.1016/j.jcin.2020.04.021.