Dr. Renato Sanchez Antonio
Caso Clínico
Paciente, L.M.P., 70 anos, com antecedente de insuficiência arterial periférica, hipertensão, diabetes tipo 2 insulino dependente e dislipidêmica apresentou síndrome coronariana sem supradesnivelamento do segmento ST. No momento em uso de AAS 100mg/dia, clopidogrel 75mg/dia, sinvastatina 40mg/dia, enalapril 20mg/dia, carvedilol 25mg/dia e propatilnitrato 30mg/dia. Optou-se por cateterismo cardíaco que demonstrou: aterosclerose coronária; tronco da CE com irregularidades parietais difusas; DA com lesão obstrutiva severa de 70% em 1/3 proximal e outras 2 lesões severas, 95% (segmentar) em 1/3 médio e 80% em fino 1/3 distal. 1º Diagonal (moderada importância) com lesão obstrutiva severa de 70% em origem e 2º pequeno diagonal com lesão obstrutiva moderada de 60% em origem; CX com lesão obstrutiva discreta de 40% em origem e outra lesão obstrutiva severa de 70% em 1/3 distal. Apresenta irregularidades parietais difusas; VE exibe acinesia apical, hipocinesia acentuada antero-medial e hipocinesia acentuada antero-apical FE 53%; Insuficiência Mitral de discreta repercussão hemodinâmica; CD de fino calibre com origem na artéria descendente anterior com lesão obstrutiva moderada de 50% em 1/3 distal. Origem anômala de Coronária. Artéria coronária única L ll da classificação de Lipton.
Discussão
A artéria coronária única é uma anomalia congênita rara com incidência de 1,5% na população geral e encontrada em cerca de 0,0024% a 0,066% das coronariografias. Devido a isso, muitas vezes constitui achado isolado e apresenta pequena repercussão clínica ou hemodinâmica. Elas são divididas em significativa ou maior, aquelas que ocasionam distúrbios de perfusão miocárdica, e não-significativa ou minor, aquelas em que o fluxo coronário é normal. Podem ser classificadas em três tipos: anomalias de origem, anomalias de terminação e anomalias de distribuição. Anomalias coronarianas de terminação são as hemodinamicamente significantes mais comuns e tem como exemplo a fístula coronariana arteriovenosa (FCAv), definida como uma anastomose direta e pré-capilar entre uma artéria coronariana maior e uma câmara cardíaca ou outro vaso maior.
A artéria coronária única constitui uma anomalia congênita rara, com maior incidência em homens, caracterizada por sua origem na aorta ascendente através de óstio único, sem predominância com relação à origem do seio coronário esquerdo ou direito, sendo responsável por todo o suprimento arterial do coração. Cerca de 40% dos pacientes com artéria coronária única apresentam outras cardiopatias congênitas associadas, como tetralogia de Fallot, transposição dos grandes vasos, truncus arteriosus, fístulas arteriovenosas coronárias e valva aórtica bicúspide. Nos casos de artéria coronária única como anomalia cardíaca isolada, o prognóstico varia conforme sua distribuição anatômica de excelente à potencialmente fatal. A coronariografia permite diferenciação dessas afecções por meio da análise dos fluxos (anterógrado ou retrógrado) e angiografias dos grandes vasos.
A classificação angiográfica de Lipton para artéria coronária única se baseia na localização de seu óstio (“R”, se a partir do seio coronário direito e “L”, do seio coronário esquerdo) e na distribuição anatômica do vaso (I, II e III). No grupo I, uma artéria coronária única segue o curso normal da coronária direita ou esquerda, emitindo colaterais para nutrir o território da coronária contralateral. No grupo II, uma artéria coronária tem origem na porção proximal da coronária contralateral, atravessando a base do coração até atingir sua distribuição normal. Esse grupo se divide em cinco subgrupos: A, se o trajeto da artéria é anterior aos grandes vasos da base; B, se estiver entre a aorta e a artéria pulmonar; P, se estiver posterior aos grandes vasos da base; S, se cursa através do septo interventricular; C, inclui qualquer combinação dos trajetos descritos. No grupo III, o ramo descendente anterior e o ramo circunflexo emergem da porção proximal de uma artéria coronária direita normal.
Em certas configurações com curso interarterial (artéria coronária única do tipo R-II-B ou L-II-B) pela aorta e artéria pulmonar, pode haver isquemia miocárdica quando esses vasos sofrem dilatação, sobretudo durante exercício físico. No caso de anomalias do tipo R-II-B, discute-se o possível papel da angioplastia coronária. Já as do tipo L-II-B, o tratamento preferencial para os casos eletivos é o cirúrgico. As técnicas cirúrgicas mais utilizadas para o tratamento são: o reimplante simples da coronária, a ligadura da coronária seguida de bypass com safena, a técnica do túnel de Takeuchi e a ligadura da coronária anômala realizada somente quando há circulação colateral suficiente, apresentando pior resultado a curto e longo prazo, pois resulta em sistema de coronária única.